-Quem é o dono deste blog maluco?
-Ei, cara, entra aí e descobre.
-Pôxa, que falta de educação!
-"O caminho do excesso leva ao palácio da Sabedoria."
-Saquei. Até mais!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

BELÉM

Cidade dos boçais

Dos velhos castiços

das donas falazes

Belém dos risos

Dos rios colubrinos

Dos céus cor de padre

Mãe de ervas e dores

E dos meus amores

Inanimados

De flores mistas de

Procissões desesperadas

Em busca de uma santa fé,

Mas que mais tem de meretriz,

que bicho do pé que dá em

beira de igarapé.

Belém do não estudar

Do viver para servir

O ventre e o que tem embaixo.

Estrangeiros benvindos

que de além-mar chegam

a infectar nossas meninas.

Belém dos incestos

Das semanas de férias

De pipas, piões e petecas...

Cidade uma vez culta

Duas vezes coroada,

Quantos infames sepulta!

És assim, rica em prognoses

Mas despida de realidades

prenhe de realezas peçonhentas:

Políticos filhos de Salem,

Povo de Belém, que os elege

E chora depois seus abortos.

Vive-se aqui a hora do morto

Enquanto ali no horto,

Se deitam juíza e ladrão.

Quero cantar com sinos

Mas quem levou o patrimônio

Nosso? O empresário.

Demais ter por garoa

A mendicante caridade

De doutores universitários.

Que aqui a academia e a igreja

chupam-se os dedos

Assim como a bandidagem a polícia.

Vencidos, perdidos,

pelas bibocas da sexta-feira

estão os provetos gestores.

Os cientistas moram em

trolhas, os homens públicos

Saem no réveillon da Doca.

Públicos? Não diria.

Criminosos, bebem vinhos

pagos com improbidade e peculato.

Oh, Belém, que tens de bom,

Além de passarinhos,

Que teus homens não valem um vintém.

Nem este que canta teus desvarios

Embora com isso sofra muito

Faz nada por ti, Belém.


narciso

no sonho que eu tenho toda noite

e que no tempo se estende como

um obscuro pergaminho,

depois do mezzanino, onde toco o sino de cristal,

entro numa livraria, pego um livro,

e não consigo ler o nome. Procuro

em vão pelas linhas e desenhos:

tudo tão branco, somente papel.

avanço pelas estantes e corredores

e chego a uma porta que sei que é

uma porta mágica.

ela conduz ao grande colégio, e o

grande colégio conduz às catacumbas iluminadas

onde estão meus amigos.

subo as escadas espiraladas

e vislumbro o último patamar

que se destaca do pescoço e do crânio,

o dia amanhece com cheiro de papel queimado.

existe mais uma porta que desce de novo

pela narina esquerda da face do anti-deus:

por trás do arabesco de ferro azul...

há um imenso shopping center.

As pessoas se conhecem mas não

desconhecem que são únicas.

as lojas desfilam bocejos vazios e vítreos.

pego então do meu bolso um spray

e picho uma delas com a frase verde

SOU A FAVOR DA LIBERDADE!

o sonho acaba e eu não morro,

simplesmente beijo os rasos lábios frios

do meu rosto refletido no espelho.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

CARTAS

CARTA 1 (dama)

Que atrevimento ter escrito esta carta!

Só nos vimos antes, senhor, uma vez.

Não sou como as damas parisienses.

Diz que sou uma bruxa que o enfeitiçou.

Que doente caiu, de amores por mim.

Ah, quanta pretensão!

Tenho uma casa e um trabalho.

Escrevo e disso tiro meu sustento.

Para quê preciso de um homem?

Ainda mais um itálico! Acha que ignoro

Sua reputação de cavaleiro de empreitada,

Maléfico caçador de vestais e donzelas?

Pois, senhor, cesse seus escritos.

Qualquer ousadia posterior

Resultará perigo de morte.


CARTA 2(DAMA)

Esqueci todos os meus assuntos,

não consigo esquecer aquela tarde

no jardim em que nos vimos de novo.

Terá sido influência da lua,

ou das papoilas? oh, memória!

o que fizemos, por entre os teixos...!

Onde estás, meu cavaleiro?

Chamaste-me de Diana, de deusa.

Entrego-me totalmente a ti.

Sucumbo rapidamente.

Escreva-me, amor. Ardo de te pensar

Entrando em minha câmara.

Vem a meu encontro!

Com aquele teu manto negro

E teu cinto púrpuro.


CARTA 3(CAVALHEIRO)

Parto para a guerra contra a Holanda.

Para não mais retornar, talvez.

Adeus, amor.


CARTA 4(DAMA, DOZE ANOS DEPOIS)

Então foi aqui que ocorreu.

amor, o jardim tem odor lunar.

nossos beijos gosto de cereja.

padeci por três dias, e depois,

só entendo isto por mágica,

continuei meus fazeres, meus livros.

pereceste nas terras flamengas?

como? ou foi no mar, por espada

ou disparo? tanto quis saber.

ah, luzes da madrugada, como fui feliz.

ninguém mais entrou no meu jardim.

continua aquele sono a me ver reclinar,

sobre a pedra arcaica da fonte

a água a fluir e a te dar

o aspecto de um anjo que chegou e partiu.